21:49h, o fundo entrara nos meus sons! Sentia cada corda vibrando, em sua simplicidade e harmonia, como se quisesse tocar nos espaços vagos, todavia, surdos e ensurdecidos pelos gritos e falácias de outros corpos. Mesmo sabendo da surdez que me amparava naquele chão daquela noite cinzenta, Dilermando Reis continuava a tocar, estendendo o tempo e a distancia dos deixados espaços recentes. Pensei em desligá-lo, findar com aquela insistência ingrata dos que conseguem transmitir angustias, medos, amores, poesia através de palavras, sons. Mas o deixei continuar... Tentar tocar nos vazios que preenchiam minhas decisões e certezas eremitas.
22:33h, as cordas não conseguiam alcançar minha percepção. Somente o silêncio das vozes e corpos distantes de fora da minha casa e, o relógio de ponto pontuando cada segundo que se passava. Esse silêncio ambíguo aglutinou-se no estalido que despontara de minhas entranhas formando o que a minha percepção exterior já não conseguia escutar: era eu, em forma de sons produzidos por cordas do violão de Dilermando Reis.
22:45h, os espaços vagos produziam repetidamente um som antes imperceptível, antes inadaptável ao meu corpo. Fiquei desesperada ao notar que nem precisava escutar para sentir aquele som, pois ele se transformara em mim. Os espaços foram se dilatando, cantando, cantando, tocando na corda, falando, gritando, gemendo, sentindo cada vez mais alto, mais perto de mim; dentro de minhas decisões e certezas não mais eremitas. Não queria escutar, mas aquele solo de saudades saia e entrava harmonicamente nos espaços que se alargavam ininterruptamente...